Por uma Reforma Tributária Solidária
Que o Brasil é uma das Nações mais desiguais do mundo, todos
já sabem. Porém, o que pouco se debate são as raízes do problema e propostas
para superarmos essa situação. De acordo com o índice de Gini, que avalia 180
nações, somos o nono país do mundo mais desigual.
Por Augusto Vasconcelos*
Um dos aspectos marcantes para manutenção dessa desigualdade
está em nosso sistema tributário. Exageradamente regressiva, a maior parte da
nossa carga tributária recai sobre os mais pobres, visto que incide sobre o
consumo e serviços, os denominados impostos indiretos. Assim, quando um
beneficiário do bolsa-família compra um quilo de feijão, estará pagando, em
termos absolutos, o mesmo valor do tributo que um bilionário que adquira o
mesmo produto.
O princípio da capacidade contributiva previsto no Art. 145, §1º da
Constituição Federal, estabelece que nosso sistema tributário deve caminhar em
busca de justiça fiscal, visando diminuir as desigualdades. Todavia, não é o
que verificamos na prática.
O Imposto sobre a renda e sobre o patrimônio representam apenas 22,7% na
arrecadação total do Brasil. Nos países da OCDE, por exemplo, que inclui
algumas das mais desenvolvidas Nações, esse índice chega a 39,6% em média. Na
Dinamarca, por exemplo, os tributos sobre renda e patrimônio chegam a 67,2% do
total de receitas.
Por outro lado, a participação dos tributos sobre o consumo é bem maior no
Brasil (49,7%), em comparação com os países da OCDE (32,4%). Essa forma de
tributar penaliza, sobretudo, os mais pobres e a classe média, pois reduz na
prática a renda das famílias, encarecendo os produtos e desestimulando a
economia.
Em uma publicação escrita há muitas mãos, especialistas em tributos lançaram um
projeto de Reforma Tributária Solidária, capitaneado pela ANFIP (Associação
Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil) e a FENAFISCO
(Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital). Quem quiser ter acesso ao
conteúdo pode acessar reformatributariasolidaria.com.br .
Com as alterações propostas na publicação é possível elevar em até R$253,7
bilhões as receitas da tributação sobre a renda e reduzir R$231,7 bilhões a
receita da tributação sobre bens e serviços. Sobre a folha de pagamentos a
proposta iria reduzir a tributação em até R$78,7 bilhões e aumentaria em R$73
bilhões a arrecadação sobre o patrimônio.
Assim, teríamos um aumento de receitas totais, mas apenas uma parte muito
pequena da população, os que ganham acima de 40 salários mínimos, pagariam a
mais por isso. Sem falar que a desoneração sobre a folha de pagamentos e sobre
bens e serviços, estimularia um ciclo virtuoso de novas contratações e aumento
do consumo.
A proposta prevê o combate a algumas distorções do nosso sistema. A título
ilustrativo, se um trabalhador hoje adquirir uma moto popular em 72 prestações
a juros bancários altíssimos, ele irá pagar IPVA. Entretanto, se alguém
adquirir um Jet -Ski, um helicóptero ou um jatinho, não há incidência desse
imposto.
Em 1995 uma lei isentou a tributação de Imposto sobre a Renda quando a empresa
distribui lucros e dividendos para os sócios e acionistas. O outro país no
mundo que não tributa é a Estônia. Enquanto isso, os salários são tributados,
revelando uma grave injustiça fiscal.
Em nossa proposta, a tabela do Imposto de Renda também seria alterada,
isentando-o para quem ganha até 4 salários mínimos, reduzindo a tributação para
quem ganha entre 4 e 15 salários mínimos, mantendo-a estável para quem ganha
entre 15 a 40 salários mínimos e elevando-se apenas para quem ganha acima
disso. Assim, somente haveria aumento de imposto sobre a renda para 2,73% dos
declarantes, cerca de 750 mil contribuintes, enquanto que mais de 10 milhões
dos atuais declarantes deixariam de pagar IRPF. Mesmo assim, haveria aumento de
receitas para a União.
Diga-se de passagem que o Brasil é um dos países que menos tributa o
patrimônio. O ITCMD (Imposto sobre transmissão causa mortis e doação) possui
alíquotas variáveis por Estado entre 4 e 8%, sendo que a maioria aplica menos
de 6%.
A maior parte da formação de fortunas no Brasil vem de heranças, perpetuando uma
acumulação de patrimônio que remonta ao período da colonização na maioria dos
casos. Também pudera, poucas famílias tiveram acesso às terras que foram
loteadas nas capitanias hereditárias e subdivididas em sesmarias. Essa, em
regra, é a verdadeira árvore genealógica dos mais ricos no país, diferente de
países como França e Bélgica que tem elevado a tributação sobre a
herança.
A proposta em análise atualmente na Câmara dos Deputados, denominada de Reforma
Tributária, nada mais é do que uma simplificação tributária. Óbvio que achamos
importante reduzir a quantidade de obrigações acessórias e unificar alguns
tributos. Contudo, enfrentar o problema somente sob esse aspecto é fechar os
olhos para uma verdadeira justiça fiscal.
Uma proposta ousada como a Reforma Tributária Solidária encontra fortes
barreiras no Congresso Nacional. Enfrenta resistências dos poderosos interesses
econômicos que não querem mexer nos privilégios de uma parcela muito pequena da
população, mas que detém quase a maior parte de nosso PIB.
Enquanto a equipe econômica do governo faz chantagens ao país em relação à
Reforma da Previdência, apresentamos uma alternativa mais eficaz e justa para
ajudar o país a sair da crise.
*Augusto Vasconcelos é advogado, professor universitário, Presidente do
Sindicato dos Bancários da Bahia. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania
(UCSAL), Especialista em Direito do Estado (UFBA).